terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A tiara e as chaves no brasão da Cidade do Vaticano

Brasão do Estado da Cidade do Vaticano
Brasão do Estado da Cidade do Vaticano
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






O Estado da Cidade do Vaticano tem um brasão. O jornal vaticano "L'Osservatore Romano" há anos nos relembrou a origem dele, enquanto vai sendo relegado em importância, infelizmente.

Ele se compõe com duas chaves cruzadas, a tiara pontifícia sobre fundo vermelho e a inscrição “Estado da Cidade do Vaticano” e uma estrela de oito pontas.

A tiara, também conhecida como “triregno” (literalmente tríplice reinado) está composta de três coroas e leva no topo um globo com a cruz.

É a coroa própria dos Papas.

É uma coroa única no mundo.

Coroas semelhantes à tiara já foram usadas na Antiguidade, inclusive por egípcios, partos, armênios e frigios.

Tiara de Pio VII

Tiara de Pio VII
O Antigo Testamento ensina que Deus disse a Moisés:

“Farás também uma lâmina do mais puro ouro, na qual farás abrir por mão de gravador: ‘Santidade ao Senhor’.

“E atá-la-ás com uma fita de jacinto e estará sobre a tiara, iminente à testa do pontífice.

“E Arão levará sobre si. E sempre esta lâmina estará sobre a sua testa para que o Senhor lhe seja propício” (Ex, 28, 36-37).

Aarão, irmão de Moisés é o arquétipo de Sumo Sacerdote e prefigura os Papas instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo na pessoa de São Pedro, e continuado por seus sucessores de Roma.

O Papa Sérgio III (904-911) fez cunhar moedas com a imagem de São Pedro com tiara. Na basílica inferior de São Clemente, em Roma, um fresco do fim do século XI apresenta o Papa Adriano II (867-872) com a tiara.

A primeira coroa da tiara reúne simbolicamente a jurisdição eclesiástica do Papa e a coroa do governo temporal sobre os feudos pontifícios.

Bonifacio VIII (1294-1303), que sofria execrável revolta do rei da França Filipe o Belo, acrescentou a segunda coroa, para sublinhar que a autoridade espiritual do Papa está por cima da autoridade temporal dos reis.

Tiara de Gregório XVI (1834)
Bento XII (1334-1342) acrescentou a terceira coroa para simbolizar a autoridade efetiva do Papa sobre todos os soberanos, o que inclui o poder de instituí-los (como fez São Leão III com Carlos Magno imperador) ou destituí-los (como São Gregório VII com o imperador Henrique IV).

As três coroas representam também a potestade máxima na Ordem do Sacerdócio, na Jurisdição (ou poder de mando) Universal e no Magistério Supremo, exclusivos do Sumo Pontífice.

No século XIII foram acrescentadas as fitas posteriores. Elas evocam as fitas que na Antiguidade cingiam a cabeça dos sacerdotes.

A tiara era imposta ao novo Papa pelo Cardeal protodiacono pronunciando a seguinte fórmula:

“Recebe a tiara ornada com três coroas e sabe que és o pai dos príncipes e dos reis, o reitor do mundo, o vigário na terra do Salvador nosso Jesus Cristo, ao qual se deve todo honor e toda glória pelos séculos dos séculos”.

Em virtude destes significados, a tiara foi particularmente odiada pelos inimigos da Igreja e de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas, em sentido contrário, ela foi amada até a efusão do sangue pelos santos e pelos fiéis especialmente devotados ao sucessor de Cristo.

Nações e dioceses fizeram questão de doar mais ricas e esplendorosas tiaras ao Pai comum da Cristandade.

Por isso há várias tiaras. Elas competem em arte, beleza e riqueza.

Alguns Pontífices sobremaneira amados ganharam mais de uma, como o bem-aventurado Pio IX. Várias se conservam no Vaticano.

A tiara não era usada no dia-a-dia, mas nas solenidades. O último a usá-la de público foi S.S. Paulo VI na basílica de São Pedro no dia 30 de junho de 1963.

Em 13 de novembro de 1964, na terceira sessão do Concílio Vaticano II, o secretário do mesmo, Mons. Pericle Felici, anunciou que o Papa Paulo VI doava sua tiara aos pobres.

Tiara do Beato Pio IX, doada pela Bélgica
Tiara do Beato Pio IX, doada pela Bélgica
Então Paulo VI desceu do trono e depôs a tiara sobre a mesa do altar em meio às aclamações dos padres conciliares.

Aquela tiara lhe fora presenteada pela arquidiocese de Milão, da qual ele foi arcebispo, com a contribuição dos fiéis até dos mais humildes e sacrificados.

Desde então, nem ele nem seus sucessores, nunca mais a usaram.

Desde a eleição de S.S. João Paulo I, em agosto de 1978, a cerimônia da coroação foi substituída pela simples imposição do pálio.

A mais antiga representação das chaves cruzadas tendo sobre si a tiara é tempo do pontificado de Martinho V (1417-1431).

O sucessor, Eugenio IV (1431-1447), cunhou esse emblema numa moeda de prata, conhecida como o “grosso papale”.

As chaves simbolizam os poderes dados ao Papa por Nosso Senhor Jesus Cristo Evangelho (Mat, 16-19).

Uma chave é dourada e significa que o Papa tem o poder supremo na ordem espiritual.

A chave de prata indica que o Poder supremo do Papa sobre a ordem temporal é circunscrito a tudo aquilo que se refere à Fé e à Moral, conservando a ordem temporal sua autonomia naquilo que excede esses campos superiores. A chave dourada passa por cima da chave de prata.

As duas chaves condensam todos os poderes do Papa.

Há pelo menos oito séculos, os Papas têm seu próprio brasão pessoal. No atual de S.S. Bento XVI figura uma concha, a cabeça de moro e um urso.

Ficaram as chaves, mas a tiara desapareceu, no seu lugar há uma mitra e também o pálio.

(Fonte: L'Osservatore Romano, 10 agosto 2008)


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