segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O mundo que vai ficando cada vez mais religioso

Católicos paquistaneses na catedral de Lahore.
Católicos paquistaneses na catedral de Lahore.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





A laicização – uma ateização dissimulada – progride em leis, acordos internacionais, declarações de chefes de Estado e de máximos líderes religiosos um pouco por toda parte.

Mas isso não reflete todas as tendências que estão mudando as pessoas.

Uma visualização mais arguta e complexa das propensões da humanidade na sua vida concreta está sendo corroborada por análises científicas, sociológicas, psicológicas reforçadas pelos resultados de consultas populares da maior relevância, escreveu Marita Carballo no jornal “La Nación”, de Buenos Aires.

Ela é presidente de Voices! e vice-presidente do Comitê Científico do World Values Survey.

Essa visão verifica que a religião não só não perdeu vigência, mas cresce, anunciando um futuro cada vez mais voltado para o sobrenatural.

O século XIX acreditou nas profecias sobre o desaparecimento da noção de Deus, substituída pela euforia das descobertas e da globalização incipiente.



Pensadores laicistas e/ou ateus como Comte, Durkheim, Marx, Nietzsche e Weber refletiam essa histórica mudança social. Porém, hoje seus livros estão entre os menos comprados e lidos, mofando em muitas bibliotecas.

Se os padres fundadores das ciências sociais laicistas pudessem ressuscitar, talvez preferissem voltar a seus túmulos, à vista da importância que os jovens dão à espiritualidade.

Jürgen Habermas e o sociólogo Peter L. Berger, entre outros, falam desse crescimento.

Berger até desdiz seus escritos anteriores e insiste em sua principal mudança intelectual:

Procissão do Nazareno 'Negro', Manila, Filipinas
Procissão do Nazareno 'Negro', Manila, Filipinas
“Vejo que o mundo, com notáveis exceções, é tão religioso como sempre, e em alguns lugares mais do que nunca”, escreveu em 2001.

A era da modernidade, da globalização e da intercomunicação planetária minou a religiosidade, sobretudo na Europa Ocidental.

Porém, o banimento da religião abriu um vazio que as pessoas agora querem preencher. Então procuram em Deus, em Nossa Senhora, nos anjos e nos santos um refúgio acolhedor dentro de um mundo frio e devorador.

Segundo Marita Carballo, o World Values Survey e a última sondagem internacional de WIN/Voices! em 68 países de todos os continentes constataram que 62% das pessoas se dizem religiosas, 75% acreditam na existência da alma e 72% em Deus. Apenas 25% se disseram não religiosas e 9% ateias.

O nível educativo pesa. Aqueles que passaram menos pelas máquinas educacionais ateizantes se sentem mais religiosos, e vice-versa.

Por isso, na Europa Ocidental o já multissecular processo de laicização inaugurado pela Revolução Francesa multiplicou agnósticos e ateus.

Análogo efeito produziu a modernização da Igreja Católica no período pós-conciliar: os índices de assistência às igrejas, aos casamentos, vocações, batizados, etc. caíram vertiginosamente.

Hoje, apenas dois em cada dez suecos e quatro em cada dez franceses se dizem religiosos.

Catedral de Évry, França: a modernização do 'pós-concílio' esvaziou a fé e as igrejas
Catedral de Évry, França: a modernização 'pós-concíliar' esvaziou as igrejas
Os países nórdicos batem o recorde de descrença em Deus. Com exceção da Itália, os que acreditam em Deus nas nações europeias não superam 50%.

Mas nesta queda está incubado o contragolpe psico-sociológico.

Os EUA lideraram o desenvolvimento material e a globalização, mas atualmente a maioria dos americanos se diz religiosa e atribui grande importância a Deus em sua vida.

Quem aspira a um cargo público deve ostentar sua religião, ainda que não acredite nela.

O presidente Trump bateu todos os recordes mandando bênçãos urbi et orbe no encerramento de seu discurso em Varsóvia, quando anunciou sua futura política internacional.

Na França, multidões lotam as “Manifs pour tous” em nome de uma tradição e um passado católico que talvez não tenham conhecido. E isso não é efeito de uma pregação do clero ou de movimentos eclesiais organizados.

Na América Latina, entre oito e nove em cada dez pessoas se declaram religiosos na maioria dos países, entre 90 e 98% acreditam em Deus e na existência da alma.

O singular é que a perda da fé no continente não está ligada à falta de formação escolar. Os países sul-americanos mais ricos e evoluídos são o exemplo.

Na Argentina, 78% se dizem religiosos e a Constituição nacional reconhece o catolicismo.

Procissão do Cristo do Milagro, Salta, Argentina, mais de 800 mil pessoas partecipando
Procissão do Cristo do Milagro, Salta, Argentina, mais de 800 mil pessoas partecipam
e o número aumenta cada ano.
No Brasil, a virada não pode ser mais espetacular. A corrida dos candidatos presidenciais Dilma e Serra para exibir sua religiosidade no intuito de obter voto foi um exemplo clamoroso. Embora um candidato nem soubesse sequer fazer corretamente o “Nome do Pai”...

A maior bancada do Congresso – articulada pelas crenças evangélicas – e a derrocada das esquerdas laicistas são apenas mais alguns indícios da virada pela religião, que do ponto de vista sociológico só pode ser qualificada de colossal.

Virada efetivada sob o olhar impotente de uma Conferência Episcopal (CNBB) que anda de braços dados com os campeões do ateísmo do PT e de outros partidos de esquerda.

Na África, no Oriente Médio e grande parte de Ásia a religiosidade se mantém alta, apesar de maculada por inúmeras superstições.

Em países como Tailândia, Índia, Bangladesh, Paquistão, Indonésia, Fiji, Papua Nova Guiné, Nigéria, Gana, Costa de Marfim, Armênia e Filipinas as porcentagens dos que se dizem religiosos beiram 100%.


Continua no próximo post: China, EUA, Brasil na onda do crescimento da religião no mundo


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário! Escreva sempre. Este blog se reserva o direito de moderação dos comentários de acordo com sua idoneidade e teor. Este blog não faz seus necessariamente os comentários e opiniões dos comentaristas. Não serão publicados comentários que contenham linguagem vulgar ou desrespeitosa.